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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Batismo de Sangue.

                                                                                                                        Por Marcelo Freitas Sales

                                      Nasce em Fortaleza no dia 14 de setembro de 1945 um menino, que seus pais colocaram o nome de Tito de Alencar Lima, mais tarde iria ficar conhecido como Frei Tito. Durante sua juventude estudou no Liceu do Ceará, uma escola tradicional de sua cidade. Sua família tinha envolvimentos nas lutas sociais, seus irmãos lutaram em movimentos comunistas.  Em 1963 ingressou no noviciado da Ordem dos Pregadores de São Domingos conhecida como Dominicanos. Em 1966 fez os votos perpétuos, no ano seguinte foi enviado para São Paulo onde começou a estudar filosofia, ocasião em que começou a envolvesse com os movimentos políticos estudantis. Em 1968 foi preso a primeira vez por participar de um congresso clandestino da União dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, foi fichado e começou a ser perseguido pela repressão militar. A segunda prisão de Frei Tito ocorreu no dia 4 de novembro 1969, ele e outros frades dominicanos foram presos pelo delegado Sergio Paranhos Fleury do departamento de ordem políticas e social (DOPS), Ele sofreu torturas em quanto estava nesse órgão, após um mês foi transferido para o presidio Tiradentes e no início dos anos 70 foi novamente torturado nos porões da chamada “operação Bandeirantes”, Tito foi solto em 1971, ele foi uma dos vários presos solto por conta do sequestro do embaixador suíço, ele foi para o Chile e lá correndo o risco de ser preso novamente fugiu para a Itália e depois foi para um convento da ordem em Paris. Frei Tito relatou em uma entrevista a uma revista italiana chamada Il Gallo n4 (303), abril de 1972 e n5 (304), maio de 1972, em entrevista realizada por Claúdio Zanchetti, Tito nos contar que no momento de sua prisão. O sinistro Sergio Fleury chefe do esquadrão da morte, dar-lhe o seguinte aviso friamente: “- Gente de sua estipe não temos piedade nenhum. Somos pagos para isso. Sabemos que você tem muito para contar. Se não quiser fala será pior para você. Te torturaremos. ”. Com esse relato podemos pensa o que o aguardava. Segundo frei Betto no seu livro Batismo de sangue de 2006 no capítulo sobre Marighella, Tito era acusado juntos com outros dominicanos da morte de Carlos Marighella, quando na verdade foi uma emboscada armada pelo próprio DOPS, o que para o governo foi ótimo, pois como diria no ditado popular mataram dois coelhos com uma bala só, o fato foi que o governo assassinou Marighella e conseguiu acusa os freis dominicanos. Segundo a revista Veja do dia 12 de novembro de 1969, os freis dominicanos Tito e os outros freis foram presos, frei Fernando (um dos presos pelo DOPS) foram forçados a marca um encontro com Marighella, nesse encontro os policiais do DOPS fizeram uma emboscada. No dia do encontro havia uma camionete com policiais e um carro com supostos” namorados” e além do fusca dos freis. Quando Marighella chegou dirigiu-se direto ao carro dos freis, esses assustados se jogaram no chão, enquanto Carlos Marighella reagiu à prisão e f oi morto.
Tito relata a revista italiana IL GALLO n°4 (303), abril de 1972 e n°5 (304), maio de 1972. Entrevista realizada por Claúdio Zanchetti que na prisão recebera a visita de um cardeal, o cardeal Rossi, segundo Tito ele foi super grosseiro e acreditou (ou foi omisso) na
versão da polícia que disse que não havia tortura, Cardeal Rossi foi indiferente ao caso dos freis, sendo mais parecido com um delegado do que com um pastor. Rossi sempre foi um homem que deu apoio a polícia e ao governo de São Paulo. Tito e os outros colocaram a sua situação ao cardeal esse permaneceu indiferente, três meses depois da visita começa o processo contra Tito no caso do congresso de Ibiúna. Irei fala um pouco sobre outros padre, bispos e cardeais, seguindo o exemplo de Frei Tito de Alencar e dos outros frades dominicanos. Irei fala um pouco sobre personagens bem conhecidos como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Evaristo Arns e de Dom Helder Câmara, cearense e na época bispo da arquidiocese do Recife, e citarei alguns outros padres, que foram mortos pelos militares por discorda do regime.      “A igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo. – Frei Tito de Alencar”. Em entrevista no portal da IG no dia 17/072012 Frei Betto diz que: Alguns membros da igreja se omitira as torturas sofridas pelos freis e não só por eles mais pelos os outros presos, porem quando o cardeal italiano Agostino Casaroli tornou conhecimento das torturas e das atrocidades que ocorria no Brasil e mais especificamente em São Paulo comunicou ao então Papa Paulo VI, e com isso o Papa começou a apoia os freis dominicanos presos e os superiores da ordem na Itália também, segundo frei Betto em uma entrevista dada no portal da IG. Assim o cardeal Rossi foi chamado a Roma pelo Papa, e nessa sua viagem ocorrera um episódio no mínimo folclórico, o cardeal Rossi celebrou a missa, e em sua homilia ele afirmou que no Brasil não existia tortura, e após a homilia, na hora da oração dos fieis os seminaristas brasileiros que lá estavam também em Roma, começaram a rezar em intenção de vários presos que foram torturados e assassinados, dessa forma a moral do cardeal foi completamente massacrada, pois a fonte das denúncias era o próprio Vaticano. Quando chegou de volta ao Brasil o cardeal Rossi soube que fora demitido e um outro cardeal assumira seu lugar, o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Evaristo é frei da ordem dos frades menores franciscanos, quando assumiu como bispo de São Paulo, a história da igreja com relação a ditadura começou a mudar, Dom Paulo bateu de frente todo tempo com o regime militar, com isso a tensão só aumentava, em Recife surgia outra forte liderança católica Dom Helder Câmara, segundo o escritor  Fernando Basto Ávila no seu livro Profetas e Profecias numa visão interdisciplinar e contemporânea (São Paulo edições Loyola 2000), Dom Helder foi outro duro crítico e opositor do regime. Em recife houve o assassinato do Padre Henrique Pereira, que era um dos padres mais ativos e envolvidos com a juventude católica no Recife. Dom Helder Câmara rapidamente se manifestou contra esse assassinato e começou a reação da igreja contra o regime.   Em uma matéria escrita para a agencia Brasil no dia 19 de abril a repórter Christina Machado relata as ameaças de morte a Dom Pedro Casaldáliga; Houve também a tentativa de assassinato de Dom Pedro Casaldáliga, que no fim culminou com a morte de um sacerdote jesuíta. Dom Pedro recebeu a notícia que duas mulheres estavam sendo torturadas na delegacia do povoado de Ribeirão Bonito no Mato Grosso, então ele foi, em companhia do padre jesuíta João Bosco Penido Burnier, até o local da tortura, chegando lá houve uma forte discussão com os policiais, então os religiosos ameaçam de denuncia os policiais às autoridades, sendo então agredidos pelos militares e em seguida alvejado com um tiro na nuca o Padre Burnier, que
morre. Dom Pedro celebra a missa de sétimo dia do sacerdote Burnier, depois da celebração a população seguiu até a delegacia lá chegando soltaram os presos e destruíram o prédio e onde era esse prédio foi erguido uma igreja. Dom Pedro foi alvo de cinco processos para ser extraditado do Brasil, em sua defesa apareceu o Cardeal Dom Evaristo Arns. Movido por tudo que ocorrera e que estava ocorrendo Dom Evaristo Arns fundou então o grupo Clamor, a Comissão de Justiça e Paz, o Brasil nunca mais, e uma serie de instrumentos que ele foi criando para a defesa dos direitos humanos, dessa forma a igreja foi se afastando até o ponto de emitir notas contra a ditadura. A ordem dominicana era uma caixa de ressonância para a Europa, dessa forma o governo militar proibiu a vinda de religiosos de outros países para visita os dominicanos, nenhum movimento da esquerda tinha a força e os contatos que os freis tinham, assim os freis ficaram presos por dois anos como presos políticos, depois começaram a ser tratados como presos comuns, assim eles foram transferidos para vários presídios como o Carandiru, Presidente Venceslau e por fim o presidio de Tiradentes, onde ocorreu um fato engraçado. Como os dominicanos estavam proibidos de receber visita de religiosos estrangeiros. O cardeal holandês Bernardus Alfrink se passou de sacristão do Bispo de Lins, na visita aos freis ele anotou os relatos de torturas, após a visita na mesmo noite o Cardeal holandês voltou para Amsterdam, onde ao chega na capital holandesa toda imprensa já estava convocada para uma entrevista onde foi denunciado tudo que estava ocorrendo no Brasil. Dom Evaristo com a ajuda do Rabino Judeu Henry Sobel e do pastor Protestante Jamie Wright conseguiram juntos recolhe clandestinamente mais de mil relatos de torturas no final foi publicado o livro “Tortura Nunca Mais”. (as referências é o próprio livro Tortura Nunca Mais do Dom Evaristo.) “O cristianismo não pode calar diante das injustiças, pois calar é trair. Seu dever é tornar-se sal da terra e luz do mundo – Frei Tito de Alencar Publicado no "Front Brésilien d'Information", n°3 - agosto, 1971.”. As palavras de frei Tito mostram como o cristão verdadeiramente deve se posiciona, o cristão não deve se calar diante das injustiças, não podemos esquecer que o centro de nossa vida é Cristo. Cristo nos ensinou a não ser calar diante das injustiças, e por isso ele foi morto, ele denunciava o modo de vida dos fariseus e outras pessoas da classe dominante da sua época, isso os incomodou, também pelo fato de Cristo despreza tudo o que os fariseus desejavam. Depois desses vários fatos ocorridos a igreja começa a se organiza na lutar contra o regime, vejamos como foi essa organização. O movimento universitário foi um dos primeiros a se erguer contra o regime de força que se instalava. Por ocasião da transferência do Arcebispo Dom Helder Câmara do Rio de Janeiro para Recife (Nordeste), criaram uma ofensiva para denunciar a arbitrariedade do poder jurídico e militar. Em 1967, a Ação Católica Operária do Nordeste distribuiu um documento denunciando o nível de vida dos operários da região que recebiam um salário de fome. Em 1968, Dom Cândido Padin publicou um documento onde analisava a doutrina da Segurança Nacional, dos militares, à luz da mensagem evangélica. Nesse documento encontra-se excelente crítica à concepção pseudo-positivista dos grupos militares brasileiros. Os bispos do Nordeste se organizaram para a publicação de uma série de documentos que testemunham uma maturidade política e cristã notáveis, em defesa dos direitos do homem. “Ouvi os clamores do povo” é o bem escolhido título desse pronunciamento.
Voltando a fala um pouco sobre os dominicanos, nas missas dominicais que frei Chico celebrava eram lotadas de fieis, pessoas que vinham ouvi-lo, sua homilia era sempre carregada com conteúdo político e contra o regime, ele o criticava fortemente. Nesse período surgia outro movimento dentro da igreja, as CEBs (Comunidades Eclesiais de Bases), esse movimento crescia sem grandes barulhos e seus frutos vieram depois. Podendo ser a sementeiro de todo o movimento social que veio depois.  Voltamos a fala de frei Tito, durante sua prisão ele sofreu várias torturas, entre elas o pau de arara que consiste em prender a pessoa pelas mãos e pés em uma barra de ferro ou madeira e suspende-la, só isso já pode ser considerado uma tortura, mas não parava só por ai, nessa situação ele começou a ser espancado com chutes, socos e cassetetes, havia também choques elétricos que podiam varia de local, podendo ser nos testículos, nos ouvidos ou nos seios. Quando ocorria nos ouvidos isso poderia deixar a pessoa surda, e nos testículos poderia deixa-lo estéreo. Frei Tito também passou pela cadeira do dragão, isso consistia em uma cadeira elétrica, onde a vítima ficava amarrada pelos pulsos, e era posto fios, na uretra, língua, dedos dos pés, orelhas e seios no caso das mulheres, isso claro a vítima esta nua, suas pernas eram afastadas para trás por uma travessa de madeira que fazia que a cada choque sofrido pela vítima ela batesse a perna com violência na madeira, causando ferimentos profundos. Frei Tito relata também receber choques na língua, o seu torturador dizia que isso era para ele receber a hóstia. Uma vez já na França Tito participava de uma celebração e na hora de recebe a eucaristia veio a sua cabeça a lembranças das torturas, com isso ele saiu correndo em desespero pelo convento. O telefone foi outro método de tortura aplicado em Tito, o telefone consiste em: o torturado coloca as mãos em forma de concha, e a seu tempo vai batendo no ouvido do torturado, na grande maioria das vezes as pessoas que sofria isso perdia a audição.
Num dos depoimentos das torturas sofridas por Frei Tito é possível perceber o que levou ao desfecho trágico de sua morte: “Dois fios foram amarrados em minhas mãos e um na orelha esquerda. A cada descarga eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor. Da sessão de choques passaram-me ao pau-de-arara. (...) Uma hora depois, como o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a descarga de 220 volts a fim de eu falasse ‘antes de morrer’ (...) ”.( Este é o depoimento de Frei Tito de Alencar Lima, 24 anos. Dominicano. (Redigido por ele mesmo na prisão. Este depoimento escrito em fevereiro de 1970 saiu clandestinamente da prisão e foi publicado, entre outros, pelas revistas Look e Europeu.).
Frei Tito foi liberto junto com outros 69 presos pela soltura do embaixador suíço sequestrado em 7 de dezembro de 1970 isso foi relatado pelo jornalista Elio Gaspari no seu livro As ilusões Armadas: A Ditadura Escancarada.
Durante sua estadia na França frei Tito passou por trata mento psicológico. O Dr. Jean-Claude Rolland falara no colóquio “Langage et Violence – Les effets des discours sur la subjectivité d’une époque” (Linguagem e violência – Os efeitos dos discursos na subjetividade de uma época). Sua conferência tinha por título, “Soigner, Témoigner” (Tratar, testemunhar) e era um relato do caso Tito de Alencar.
“Tito vivia na certeza de que ia ser morto de um momento ao outro. Essa impressão deve ter sido o que ele viveu durante todo o tempo em que ficou preso e, principalmente, durante as sessões de tortura. Interiormente, ele vivia como um condenado à morte e o recurso ao suicídio tem como princípio a lógica: matar-se em vez de ser morto”, diz o psicanalista. “É melhor morre do que perder a vida”, com essa frase podemos ver a coragem de frei Tito, como sua vida estava fundada na fé, Tito nunca se recuperara das torturas, durante o tempo que passou na França ele sofria de visões de que estava sendo perseguido e que ainda existia um carrasco atrás dele. Os seus torturadores no final conseguiram o que eles queriam o quebraram todo por dentro, sua alma por mais que se mantivesse em Deus, sua esperança e sua mente estavam feridas, as visões eram cada vez mais fortes, e as lembranças do terro vivido não saia de sua cabeça,  Por fim no dia 10 de agosto de 1974, frei Tito toma a decisão de não mais fica subjugado as lembranças de seus algozes e busca a sua liberdade plena. O suicido (essa versão ainda hoje e muito contestada, há pessoas que defendem a tese de que foi assassinado mesmo estando ele na França como exilado) foi o seu gesto de protesto e de reencontro, do outro lado da vida, da unidade perdida. Deixara vários textos e poesias, um vasto material, onde podemos ver sua alma, como a de uma criança assustada porem jamais perde sua inocência e força, podem consegui traumatiza-lo mais não o destruir, o seu suicídio foi a libertação, o descanso junto ao seu amado. Frei Tito é venerado por muitas pessoas de fé, que recorrem à sua intercessão em busca de graças. Recordá-lo é resgatar o sacrifício de todos que, no Brasil, lutaram pela restauração da ordem democrática. Ela ainda é frágil, porém promissora, considerando que a sociedade civil prossegue se organizando e mobilizando na conquista de cidadania e na consolidação da democracia. A princípio o corpo de Tito repousou no cemitério dominicano do Convento Sainte-Marie de La Tourette em Éveux na França. Em 1983 o seu corpo volta para a seu pais, sua primeira parada foi em São Paulo, onde ocorreu uma missa de corpo, nessa missa contou com a presença de vários padre e religiosos, a presidência da celebração foi de Dom Evaristo Arns, a cor da celebração foi a vermelha a cor que a igreja lembra os mártires. Dom Evaristo na homilia repudiou a tragédia da tortura, a celebração contou com mais de quatro mil pessoas, depois da parada e celebração em São Paulo seu corpo veio para a sua terra natal Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção onde repousa em paz no cemitério São João Batista. Poucos antes de morre Tito escreveu em sua agenda: “São noites de silencio, Vozes que clamam num espaço infinito, Um silencio do homem e um silencio de Deus. ”
E para concluir irei citar um pequeno paragrafo de uma carte de Frei Tito no exilio Publicado no "Front Brésilien d'Information", n°3 - agosto, 1971.
“Podemos concluir que a jovem Igreja do Brasil ajudo, e foi um produto da missão profética de João XXIII. Depois de muitos séculos de conservadorismo e de falsas tradições, a Igreja do Brasil mostrou sinais de uma profunda transformação que nasceu de uma consciência evangélica que se desenvolveu nos homens em coerência com sua missão terrena. Nós não existimos para salvar as almas, mas para salvar as criaturas, os seres humanos vivos, concretos, no tempo e no espaço bem definidos. Temos uma compreensão histórica profunda de Jesus. De todos os debates teológicos conciliares, é sem dúvida o referente à história da salvação que influenciou de modo decisivo nossa concepção de Igreja, da sua razão de ser, e de sua missão: A história da libertação do povo hebreu, eleito por Iahweh para tornar-se povo de Deus. É esta ideia de um "Povo de Deus" que orienta do ponto de vista teológico as transformações da Igreja no Brasil. Para nós, quem é o povo de Deus, concretamente? - São os trabalhadores, os operários, os explorados, os oprimidos, enfim toda a massa imensa que tem uma condição de vida desumana. Entre tais, Jesus toma o nome de Zeferino ou Antônio, um qualquer. ”